24.5.22

Crónicas do Vinho: "Ao figo água, à pêra vinho"

Figos

Nos provérbios populares que fazem menção ao vinho há uma sabedoria feita de experiência que é resultado de repetidas tentativas (e alguns erros). Quando a frutos se associam ideais de bom ou mau vinho, a frase quase parece uma recomendação segredada ao ouvido por quem já experimentou e se deu bem ou mal. “Ao figo água, à pêra vinho” é um desses conselhos amigos que sugerem encher o copo no que às segundas diz respeito e manter completa abstinência quando o primeiro nos chegar ao prato. Tantas vezes os provérbios encontram na ciência validação que parece pouco ajuizado contestar velhos ditados. Entre livros de botânica e consultas a quem tem na Química profissão e nada que solucione o mistério da incompatibilidade entre figos e vinho. Já a maior apetência das pêras para combinar com o copo parece advir da facilidade de harmonizar aromas e texturas quando se cozinha com ambos, como prova a incontornável receita de pêras bêbedas.

Mantém-se o impasse. Pêras, sim. Figos e vinho é que não. Serão os sabores que não combinam? Não faltam receitas de figos assados em vinho tinto e especiarias ou escalfados num branco seco e algum tomilho. E ninguém diz que não a uma bola (ou duas) de gelado de figo e vinho Madeira com um praline de nozes e caramelo. Talvez o provérbio seja apenas fruto da má fama ou de alguma experiência falhada? Nada como procurar harmonizações bem sucedidas. Também aqui vale o princípio da tentativa e erro: experimenta-se e depois se vê. Sem surpresa, pratos com fruta casam na perfeição com vinhos frutados que partilham os mesmos aromas. E no capítulo das sobremesas, receitas com figos são boa companhia para os licorosos e a fruta fresca também não os recusa. Por exemplo, o mel dos figos roxos não desdenha um Porto Tawny e os figos verdes recebem contentes um espumante meio-seco.

Assumindo que desta feita o melhor conselho não se encontra na palavra passada de geração em geração, não recuse o tal copo para juntar ao figos e terminar em grande uma refeição. E não hesite em cozinhar figos com vinho na busca da sobremesa perfeita. Mas se ainda assim resta a dúvida, há sempre as pêras!


Esta crónica foi publicada originalmente no Blog do Enólogo Continente.