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8.1.13

De Vigo, com amor (e muito peixe)

A chegar a // Arriving in Vigo, Spain

A Vigo chega-se por terra e ar mas é no mar que o coração da cidade bate. Da minha janela, vejo alinhados na água os viveiros onde mexilhões e ostras são criados na Ria de Vigo, a mais meridional das Rias Baixas galegas. A meteorologia rigorosa do mês de Dezembro faz-se sentir. Dir-me-ão mais tarde que têm sido dias difíceis para ir ao mar. Razão de sobra para as menores quantidades de peixe à venda no mercado do Berbés, onde vamos pela manhã de um dia que há-de ser longo: compras para um almoço, ida à pesca, visita aos viveiros de marisco, aula de cozinha, conversas em torno de uma mesa redonda no MARCO e uma ronda pelas tabernas de Vigo. Se ao menos a manhã seguinte não tivesse começado às seis e meia da manhã na lota...

Mas essas são estórias de um dia que se seguiu.

mercado do Calvario



Hoje é no mercado que nos encontramos. Em busca de peixe, marisco e alguns legumes para um almoço que o Chef Robert Pardo há-de ensinar a confeccionar. Na sacola, peixe-galo, berbigão, amêijoas, chocos com tinta. Grelos. Pão.

Chove em abundância lá fora. O mercado do Berbés está (muito) sossegado à nossa chegada. Pergunto se cá, como em Portugal, se perdeu o hábito de fazer compras nos mercados ou se ainda é prática comum. Respondem-me que infelizmente o número de pessoas tem vindo a diminuir. Só alguns clientes de há décadas mantêm as idas regulares ao mercado. E alguns chefs e outros curiosos, como nós.

Lá, como cá, faz falta relembrar como é bom ir ao mercado.

mercado do Calvario

Compras feitas, combinamos reencontrar o chef lá mais para a hora do almoço, a tempo de uma aula de cozinha. Por agora, somos marinheiros por algumas horas. A caminho do porto, à nossa espera a embarcação que, pela Ria de Vigo, nos levará mais perto dos viveiros de mexilhão e ostra vistos da janela do avião.

Vamos à pesca.

A chuva dá tréguas. O vento não. Do peixe que deveríamos pescar, nem vislumbre. Fica a beleza da Ria, onde o mar encontra o rio e se cria o cenário perfeito para um ecossistema onde peixes, mariscos e algas coexistem em condições óptimas. Um porto protegido pela generosa geografia da costa. Certamente ainda mais bonito com uma meteorologia mais estival.

pesca na Ria de Vigo // fishing in Vigo

Navegamos. Uma pescaria sem proveito em forma de peixe mas onde a experiência de quem faz da Ria uma forma de vida há décadas ilumina o passeio. Fico meio extasiada a ouvir o velho marinheiro e a seguir os movimentos certos das suas mãos enquanto volta a arrumar todos os utensílios. É o jeito de quem manuseia artes de pesca desde que se lembra. De quem conhece todos os recantos, segredos e história da Ria. Um precioso guia de viagem.

Entre risos e balanços, impermeáveis e coletes salva-vidas, depressa se faz hora de voltar a terra.

pesca na Ria de Vigo // fishing in Vigo
pesca na Ria de Vigo // fishing in Vigo

É tempo de rumar aos viveiros de marisco. O Porto de Vigo é um dos maiores e mais movimentados portos mundiais. O peixe chega um pouco de toda a parte e aqui é negociado. A lota transacciona 300 mil toneladas de peixe diariamente e por aqui passa e daqui é distribuído o melhor peixe do mundo. Algum dele português. Esta vitalidade é sentida também no que ao marisco diz respeito.

Caranguejo, sapateira, santola. Camarão. Os meus favoritos, percebes. Feios, difíceis de apanhar e a exigir técnica por parte dos comensais. Se há um manjar dos Deuses é este. Só é preciso ultrapassar a primeira impressão. E uma carapaça que esguicha. Depois é só apreciar.

Ria de Vigo
viveiros

Aproxima-se a hora de almoço. Chove de novo. De volta ao coração da cidade, passos apressados, a caminho da cozinha. Aventais e outros apetrechos. É com o chef Robert Pardo que havemos de passar as próximas horas, primeiro a falar sobre peixe e suas técnicas, depois a cozinhar e provar os pratos.

Uma aula de cozinha.

Quem se atreve a experimentar?

filetes de peixe-galo

Aprender a cozer polvo. Abrir berbigão e amêijoa. Filetar um peixe-galo. Para além de facas, tachos e panelas, tempos de cozedura e técnicas os inevitáveis telefones e as sempre presentes câmaras fotográficas. Ou não fosse esta uma sala repleta de bloggers. De todas as combinações a minha preferida: berbigão com polvo e wakame. A assinalar uma fase de especial queda pelas algas que parece ter vindo para ficar. Aliás as algas começam a ser também um produto emblemático da região de Vigo. Volto a encontrá-las na tradição conserveira galega, nuns mexilhões em conserva da Artemar de que não me esqueço.

Para já, há um almoço tardio que abre com uma empanada de grelos e pimentos vermelhos assados. Uma combinação curiosa com massa feita com farinha de milho. A acompanhar, um vinho da região. Um alvariño Zarate, a ecoar os vinhos verdes portugueses com os quais partilha a casta. Mas de vinhos galegos e harmonizações, hei-de falar noutra ocasião.

almoço Chef Roberto Pardo

Findo o almoço, cessa a chuva. Preparam-se os espíritos para conversas (mais) sérias. É no Museu de Arte Contemporânea de Vigo que se discute, ao fim da arte, a gastronomia e as plataformas digitais. Falar-se-ia de tudo: bloggers, blogs e comunicação, pratos preferidos e restaurantes do coração e de como fotografar e escrever sobre comida online modificou aquilo e o modo como comemos. Moderada por Tomás Alonso, uma mesa redonda acompanhada por um auditório cheio.

Depois disso, vamos petiscar. É na taberna Eligio que começamos. Paredes com história, uma clientela boémia e um dono peculiar. Aqui se escrevem romances, se discutem as artes e se comem petingas panadas. Antes como agora. Todos frequentadores do Eligio. Curiosos, clientes habituais e personagens de policiais, como Leo Caldas um inspector da polícia de Vigo criado pelo escritor Domingos Villar.

Taberna Eligio
Taberna Eligio

Na Galiza, não há uma verdadeira tradição de tapear como noutras regiões espanholas. Para os galegos é a reunião com amigos a partilhar um copo de vinho e uns petiscos ao fim de um dia de trabalho que interessa. Pela zona histórica da cidade, encontram-se lugares mais antigos e outros mais recentes onde se provam os produtos da região e os pratos tradicionais. O polvo à galega é um deles. A marcar o fim de um dia cheio.

Fica-me a impressão de ter passado por Vigo mas não de lá ter estado. De não ter vivido, ou melhor, vivenciado a cidade. Porque de retornos se fazem as viagens, tenciono voltar. Até porque, Vigo é já ali.

o amor que move o sol
polvo à Galega

Esta viagem foi feita a convite do Turismo de Vigo, no âmbito do projecto Blogger Trip, e reuniu uma mão cheia de bloggers a falar sobre comida, restaurantes, vinhos, peixe e gastronomia na era digital. À mesa em boa companhia: Miguel Pires (Mesa Marcada), Luiz Hara (The London Foodie), EuWen Teh (a rather unusual chinaman) e Txaber Allué (El cocinero fiel).

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ler também:

Vigo dá-se a mostrar a bloggers de gastronomia, no Mesa Marcada, por Miguel Pires.