Vinho. De mais uma prova do engenho humano, fica-me apenas o gosto. As minhas qualidades de enófila são parcas. Nem cérebro, nem palato. Mas quando se gosta, quer-se sempre saber mais. Sobre o vinho, a sua relação com a comida e o seu lugar à mesa. A harmonização entre vinhos e pratos não é ciência exacta e também aí há um admirável mundo novo a descobrir. A cada nova experiência, vou ávida de conhecimento. Foi assim na visita a Vigo na harmonização com vinhos da região com a cozinha do chef Rafael Centeno no Maruja Limón.
Das surpresas que a noite havia de trazer, retenho um vinho peculiar de produção biológica da Regina Viarum e um tártaro com mostarda, tomilho e lascas de um queijo galego tipo parmesão. Fora da minha zona de conforto fica um mundo de possibilidades. Um vinho tinto que de olhos tapados baralha nariz e boca e um prato de carne sem ser cozinhada, que tivesse eu escolhido o menú, nunca me passaria pelo garfo. Mas, antes de vos contar mais, não se importam de pôr a venda? Surpresos? Também eu.
Foi assim que tudo começou. De olhos tapados (e algum medo).
Listado marinado "entomatao"
Venda posta e seguimos. Diferenças entre uma harmonização vertical e uma horizontal são explicadas pelo escanção Ignacio Costoya, que nos vai guiando na prova do vinho e na sua relação com o prato. Começamos por um branco Altos de Torona, Rias Baixas. A intensidade do vinho em conjunto com a comida. Sentir o aroma. Provar. Retirar a venda e comer, apreciando o vinho. A extraordinária descoberta de que o vinho muda assim é acompanhado por uma garfada da primeira entrada (em cima) e que os olhos tomam parte no processo. No fundo trata-se de uma busca de complementaridade e equilíbrio entre todas as partes da experiência, conseguindo momentos de quase perfeição.
A harmonização por contraste há-de ficar mais para a frente no jantar. A mim pareceu-me a mais simples de entender.
(da esquerda para a direita e de cima para baixo)
Tartar de ternera, parmesano gallego y hojas de mostaza
Vieira asada, royal de nuez moscada y nuez de macadamia
Salmonete ligeramente escabechado y fideos vegetales
Salteado de hongos, beicon, yema cuajada y bechamel ligera de trufa
Fomos falando dos pratos e ingredientes mais difíceis de harmonizar com os vinhos. Trufas, ovo, natas. Maldade do chef ou mera coincidência, a tigela de cogumelos salteados, bacon, gema de ovo a baixa temperatura e molho béchamel ligeiro de trufa parecia um compêndio de dificuldades de um escanção. Nada que nos impedisse a nós comensais de apreciar a excelente combinação. Colheradas de conforto numa noite chuvosa de Dezembro em que o vinho quase ficou esquecido no copo.
Como sempre nestes jantares, a conversa com o chef é muito interessante. Ouvir, em discurso directo, as intenções e as vontades de quem pensa, concebe e confecciona o que nos chega à mesa. Entre o castelhano, o inglês, algum português e o galego que cruzaram o jantar, a certeza de quem sabe bem o que quer fazer da sua cozinha e de onde vem, com os pratos a explicarem o resto.
E de volta ao vinho. Desta feita o meu favorito. Um Regina Viarum misterioso. Um tinto leve, em tudo admirável. Pudesse eu ter um pouco mais de conhecimentos sobre a coisa e outros adjectivos sairiam. Se encontrarem uma garafa por aí, não deixem de experimentar.
(da esquerda para a direita e de cima para baixo)
Mero asado en caldeirada de algas y alcachofa
Molleja de ternera, uvas y queso San Simón
Molleja de ternera, uvas y queso San Simón
Das sobremesas como tantas vezes me acontece, guardo uma lembrança ténue. Quer porque gosto mais de pratos salgados que doces, quer porque nesta altura das refeições já estou quase sempre em apuros. É a minha fase de "mais olhos que barriga". Da harmonização guardo a experiência, informada e divertida, mas também um pouco cansativa a tempos com a minha atenção a voltar-se para o prato. A cozinha do chef Rafael Centeno é serena e dotada de uma simplicidade enganadora, com a valoração dos ingredientes e da terra, num discurso coerente a que não é certamente alheia a estrela Michelin que ostenta. Eu que gosto de pratos (aparentemente) simples e centrados no sabor, senti-me feliz.
Em jeito de conclusão, a minha relação com o vinho é um amor incompreendido. Literalmente. Passar do juízo de valor, do gosto/não gosto à capacidade crítica de saber explicar se é bom, melhor/pior e porquê. Não estou nem perto. Este foi uma um pequeno passo numa aprendizagem que há-de ser longa.
(de cima para baixo)
Sorbete de manzana verde, apio, mandarina y piña.
Petit fours
Uma nota breve para mais uma das surpresas da noite. Um gin local. A produção de gin na Galiza nasce de uma tradição que se tornou tendência. O gin Nordés é feito pela destilação do albariño e como explicam os seus criadores, a ideia surge da vontade de criar um gin galego, que beneficiasse da cultura local. Eu não sou apreciadora e gostei mais do aroma que do sabor, mas os mais conhecedores e amantes de gin aprovaram.
A garrafa é um regalo para os olhos!
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Maruja Limón
Victoria, 4
Vigo, Espanha
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Este jantar foi parte da viagem feita a convite do Turismo de Vigo, no âmbito do projecto Blogger Trip, e reuniu uma mão cheia de bloggers a falar sobre comida, restaurantes, vinhos, peixe e gastronomia na era digital. À mesa em boa companhia: Miguel Pires (Mesa Marcada), Luiz Hara (The London Foodie), EuWen Teh (a rather unusual chinaman) e Txaber Allué (El cocinero fiel).