16.4.15

Tempo da Terra {e o almoço na Herdade do Esporão}

Tempo da Terra, Herdade do Esporão

Na imensidão de terra a perder de vista há um sentimento de serenidade que se apodera de nós assim que se avistam as primeiras vinhas da Herdade do Esporão. Entre as oliveiras, junto à barragem ou nas pedras que indicam o caminho inscreve-se uma forma de estar e um modo de vida que nos faz querer ficar ali para sempre. No campo, a exuberância de uma primavera a começar enche de encantos a paisagem alentejana, pontuada de flores silvestres e novos rebentos.

Da tradição dos vinhos que caracteriza desde sempre o Esporão até à construção de um projecto mais alargado de enoturismo, a visita faz-se de caminhadas no jardim, pelas vinhas ou nas adegas e termina irremediavelmente à mesa com um copo de vinho por perto, no restaurante.

Herdade do Esporão, Alentejo Herdade do Esporão, Alentejo Herdade do Esporão, Alentejo Herdade do Esporão, Alentejo

A nova Adega dos Lagares é exemplo duma aproximação à terra com a sua construção em taipa, sustentada em técnicas e conhecimentos milenares. É aqui que são produzidos os vinhos especiais e por aqui passam as melhores uvas, com tempo para experimentações e espaço para todas as ideias da equipa de enologia. Os lagares de inox entre barricas de madeira e ânforas, sob um tecto de madeira feito dos despojos de outras tantas barricas, parecem saber do carácter particular do lugar.

De volta ao restaurante, no alpendre com vista para a vinha e o montado, são as glicínias em flor e o seu aroma que acompanham um Monte Velho Branco 2014 e uma tosta fina de miso, foie gras e maçã verde, a forma escolhida pelo do chef Pedro Pena Bastos para nos receber e iniciar o menu Tempo da Terra.

Herdade do Esporão, Alentejo

Com a horta biológica ali ao lado e os animais criados na herdade, o retorno do chef ao ponto de partida busca uma harmonia que só o respeito pelos ciclos da natureza podem proporcionar. Como se todos os sabores e aromas, ao seu melhor, se combinassem para um resultado impar em pratos surpreendentes na sua aparente simplicidade.



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Quando nos sentamos à mesa para a prova dos azeites do Esporão é o pão de vinho tinto e avelãs que mais curiosidade e cobiça atrai. No menu Tempo da Terra os nomes dos pratos, palavras únicas sem mais adornos, são singelas homenagens ao produto ou ingrediente que lhes dá corpo. Há um certo mistério no que o prato será, que o nome não concede, que apenas toma forma com a sua chegada à mesa e, claro, com a sua degustação.

Estamos prontos para a entrada que no menu vem simplesmente descrita como Cabeça de Xara, com um subtítulo a anunciar os participantes secundários: alho preto, couve lombarda e avelã. Cabeça de Xara é uma receita tradicional alentejana, uma espécie de terrine feita com a carne da cabeça do porco que solidifica na sua própria gelatina e que é depois cortada em fatias. A interpretação de Pedro Pena Bastos é fiel ao original mas a combinação com a maçã e o vinagre de sálvia introduz uma nova dimensão, em textura e sabor, muito interessante. É também um prato muito bonito, à semelhança dos que estavam para vir, e que mostra uma atenção especial do chef pelo empratamento.

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Para continuar, Lúcio Perca num ramen com presunto 40 meses DOP Barrancos. O peixe de rio chega num caldo escuro com uma enorme profundidade de sabor onde a erva-príncipe e o tomilho-limão se cruzam com as algas nori. Um encontro de referências locais e de outras latitudes que provocam sorrisos à volta da mesa. É um prato excelente e o meu absoluto preferido do dia. Eu podia comer uma tigela (ou duas) todos os dias. Absolutamente imperdível para quem passe pelo Esporão.

Numa casa de vinhos, circundada de vinhas, é preciso dar atenção também ao copo. O desafio proposto para estes dois pratos é harmonizá-los com dois vinhos peculiares, feitos com uvas da mesma casta (vermentino), vindimados no mesmo dia e que fazem parte do programa de testes do Esporão. A diferença entre o Teste 2.1 e o Teste 3.1 é o modo de produção: o primeiro é biológico enquanto o segundo resulta de um modo de produção integrada. Na prova mostram-se dois vinhos distintos com o biológico talvez mais intenso e de outra complexidade.

Chegados ao prato principal, o Porco Preto HE, mil folhas de batata, levístico, morcela e borras de licoroso vem acompanhado de um Quinta dos Murças Reserva 2010 que junta o Alentejo e o Douro com grande harmonia. É um prato que enaltece a carne, produzida na Herdade, cozinhada lentamente, e que traz um maravilhoso mil folhas de batata. Trata-se de um par poderoso, com a introdução inteligente do alho preto e das borras, e que fará os encantos de muitos comensais. O meu único problema é ter comido antes uma certa sopa que não me sai da cabeça.

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Em tempo de final de refeição, um limpa palato. Camomila, tangerina e levedura. Leve, com a acidez certa e a frescura necessária para fazer a passagem para o licoroso Late Harvest HE 2013 e para a sobremesa. Beterraba Amarela, alperce, hortelã e manteiga noisette em bolo, mousse de chocolate branco e sorbet de alperce e hortelã. Deliciosa! A forma perfeita para terminar um regresso ao Esporão e a descoberta da cozinha multidimensional do chef Pedro Pena Bastos.

De volta a casa, as despedidas de uma terra dourada. Pela estrada a fora, com a promessa de voltar rapidamente.

Tempo da Terra, Herdade do Esporão