25.5.23

{ um prato, uma casta } Açorda Alentejana + Antão Vaz

Açorda à Alentejana

Há receitas e vinhos que parecem ter sido criados para ser apreciados em conjunto. Junta-se à mesa o que a terra dá e o ser humano sonha e, na cozinha como na adega, é a natureza que põe e o cozinheiro / enólogo dispõe! Os frutos e ervas que se encontram no campo têm com frequência caminhos paralelos e acabam servidos em pratos e copos que se encontram à refeição. As castas que fazem os vinhos adaptam-se ao terreno e as suas características assumem perfis diversos consoante o terroir, tal como as combinações de aromáticas e outros ingredientes que se tornam particulares da região que as usa. 

Da cultura alentejana do desperdício zero, da imaginação e do engenho, nasce uma cozinha feita de simplicidade e parcos recursos transformados em sabores mil. Cozinha-se com pouco para muitos e há sempre para mais um. É assim a história da sopa de pão feita de azeite, ervas e caldo de bacalhau onde às vezes também se encontra um ovo: faz-se um piso com alho, sal, coentros e poejos que se solta com azeite e a que se adiciona um ovo batido; deita-se o caldo acabado de levantar fervura e serve-se de imediato com fatias fininhas de pão da véspera. E o que acompanha a simplicidade de uma açorda?

Um copo de branco espera sereno ao lado do prato. No mapa enológico do Alentejo encontra-se uma zona com condições climatéricas específicas onde as uvas Antão Vaz se sentem em casa. É na Vidigueira que esta casta de aromas tropicais e cítricos se transforma em brancos com corpo e bem estruturados que fazem boa companhia à açorda. De tanto se apresentarem a par, é como se a planície extensa onde os tintos são reis se tivesse dado ao trabalho de oferecer o branco certo para a sopa que faz parte da alma de todos os alentejanos. Da próxima vez que comer uma açorda, faça a homenagem completa e combine-a com um branco da Vidigueira com Antão Vaz. Não se há-de arrepender!

Esta crónica foi publicada originalmente no Blog do Enólogo Continente.

23.5.23

O brunch do Tantura rima com aventura

Brunch no Tantura

É Domingo e faz sol. Pelas ruas estreitas do Bairro Alto percorremos o caminho até chegar ao Tantura com a promessa de uma viagem no prato por sabores israelitas e judaicos, numa celebração das cozinhas do Mediterrâneo Oriental. No espaço que nos acolhe há um bulício no ar, entre a cozinha aberta e o bar já em laboração, o ambiente é rico em referências diversas com mobiliário e decoração de proveniência múltipla, a viver uma segunda vida. Um par de mesas escolhem pequenos, coloridos e vibrantes pratos das bandejas com pães, entradas, saladas e molhos para início do Brunch, que é servido das 12:00 às 15:30.

A ideia é provar um conjunto de diferentes Mazzets, com a consistência de uma pasta ou de um molho,  juntamente com os pães. Ainda de olho na Bagel coberta de sésamo, que fica para a próxima visita, escolhemos um Burek (massa philo recheada com alho francês, em forma de crescente) e um Kobena (pão judeu iemenita, massa laminada com manteiga após a primeira levedação e enrolada), acompanhado de molho de iogurte e tomate.

Brunch no Tantura
Brunch no Tantura

A riqueza dos pães, servidos quentes, combina com a frescura do Húmmus (grão em puré com tahini), Labanea (queijo cremoso à base de iogurte) e Baba-ganoush (pasta tradicional do Levante, feita de beringela) e com a intensidade do molho Matbucha (condimento da cozinha sefardita marroquina, com tomate e pimentos). Uma combinação deliciosa e cheia de significados associados à herança judaica pelo mundo ao longo do tempo e que nos leva à descoberta de uma cultura rica e multifacetada.

O conceito de brunch é trazido para a tradição de pequenos pratos de diversos tipos, servidos mais ou menos ao mesmo tempo, o que resulta na perfeição. A refeição segue com saladas e ovos cozinhados diferentemente e termina (claro) com sobremesa e, no nosso caso, café. 

Brunch no Tantura
Brunch no Tantura

18.5.23

{ Doces de Portugal } Mimosos do Bombarral

Mimosos do Bombarral

Entre a tradicional e a conventual, a doçaria portuguesa é rica em influências desconhecidas e caminhos sinuosos, com as muitas versões do mesmo doce ou receitas únicas e irrepetíveis de origem conhecida ou mais ou menos oculta. Os Mimosos do Bombarral são bolos cuja linhagem está bem definida e o legado estabelecido com marca registada desde 1920 pela mão de Artur Jerónimo, a partir de uma receita da sua cunhada Maria da Conceição. A tradição é mantida até aos dias de hoje por diversas gerações da família Jerónimo e os doces confeccionados de forma criteriosa em ambiente artesanal. Mas o que são Mimosos do Bombarral?

Nas palavras de Olga Cavaleiro sobre a doçaria portuguesa, tudo começa da mesma maneira para a confecção de muitos doces tradicionais: Água, ovos, açúcar, leite e farinha de trigo são o ponto de partida para muitos pontos até se transformarem, pelas sábias mãos das nossas doceiras, em sumptuosos doces, portentosos no formato, delicados na textura, surpreendentes no sabor. Como os melhores poemas feitos de palavras simples, pela alquimia da cozinha, simples interação química ou bela inspiração divina, a junção dos ingredientes resulta em doces singulares que não nos deixam esquecer os lugares onde nasceram, as pessoas que os fizeram ou com quem os saboreámos.

Mimosos do Bombarral

Cristina Castro, no seu projecto No Ponto, partilha o encontro com Fátima Paixão e com estes doces feitos de amêndoa, açúcar, farinha, ovos e de confecção simples: todos os ingredientes são misturados no ponto de açúcar, distribuídos por pequenas formas untadas com manteiga e polvilhadas com farinha, indo ao forno por 10 minutos para cozer.

Com um casamento perfeito com os vinhos licorosos da região, os Mimosos do Bombarral são doces com um bom equilíbrio de açúcar que ganham com vinhos mais secos no copo. Para os degustar é só ir até ao Bombarral ou encomendar online! 

Mimosos do Bombarral

16.5.23

Soil to Soul: a agricultura regenerativa pode mudar o mundo

Soil to soul — Agricultura regenerativa para um futuro sustentável

Do solo ao prato e até à alma — esta é a proposta de mudança trazida pelo movimento Soil to Soul que tem na agricultura regenerativa e no respeito pelo solo o maior dos princípios sustentáveis e das boas práticas. A alimentação humana tem um enorme impacto no planeta e a agricultura representa um peso considerável no desgaste dos recursos existentes ao produzir intensivamente para alimentar uma população de biliões de pessoas. 

Pela mão de Thomas Sterchi, co-fundador com Anna e David de Brito do projeto Terramay no Alandroal, iniciou-se o evento, que decorreu no Manja, e teve como principal objectivo discutir a agricultura e a cozinha regenerativa e reflectir sobre os desafios futuros para uma vida mais saudável de produtores e consumidores. Porque somos o que comemos, foi um dia de confronto com a realidade sempre com esperança na mudança, com ênfase no solo como recurso vital na nutrição humana e na saúde do planeta.

Soil to soul — Agricultura regenerativa para um futuro sustentável

Soil to soul — Agricultura regenerativa para um futuro sustentável
Alho francês grelhado, folha de capuchinha, beterraba e flores — a entrada de Natália Finger (Senhor Uva)

11.5.23

Que vinho servir com favas?

Broad Beans & Risotto

Amadas por uns e odiadas por outros, as favas são o sinal que a estação mais florida do ano chegou para ficar. É na Primavera que as favas frescas aparecem nos mercados, quando o alho novo desponta e os coentros espigam: a tradição manda juntar todos num estufado que convida os enchidos e o entrecosto para o prato. Já o copo parece rendido aos encantos dos tintos e os comensais mais conservadores não querem ouvir falar de outras opções. Favas com chouriço deve ser sinónimo de um vinho encorpado capaz de ombrear com a intensidade dos sabores da carne e dos temperos. Mas o sabor característico das favas altera-se em função da receita e dos restantes ingredientes que acompanham o prato. Serão os tintos a única escolha?

As combinações de outras latitudes trazem novas possibilidades. Com as misturas de especiarias do caril ou a presença isolada de pimentas, cominhos e sementes de coentros abre-se a porta aos brancos. De sabor vincado, por vezes com um toque bem presente de picante, um caril de favas recebe um branco doce como se fosse a sua cara-metade e a fritura dos falafel apela à frescura e acidez de um dos belos rosés que começam a aparecer agora que se aproxima o tempo quente. Mas se a receita trouxer o pão e o queijo para a mesa, as favas são amigas das bruschettas onde esmagadas fazem de base para um queijo de cabra e algumas nozes. É chegada a altura de confiar nos vinhos verdes e deixá-los acompanhar as entradas de uma refeição ao ar livre.

Com as favas é frequente que venham em conjunto as ervas aromáticas, em diferentes tons de verde e muitas formas. Um bom princípio é procurar no vinho o aroma das ervas e assim conseguir uma ligação imediata entre o prato e o copo: manjericão, hortelã e coentros casam com brancos mais simples, orégãos, tomilho e salsa pedem tintos novos e sálvia, alecrim e louro deixam que brancos complexos, tintos mais robustos e até alguns licorosos possam entrar na ementa. Qualquer das combinações anteriores num risotto de favas com um bom queijo pecorino deixará o mais exigente comensal satisfeito!

Esta crónica foi publicada originalmente no Blog do Enólogo Continente.

3.5.23

{ À mesa com } Marquesa de Alorna

À mesa com Marquesa de Alorna

Uma das mulheres que a História merecidamente guarda e reconhece como incontornável na cultura, na literatura e na pedagogia é D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre (1750-1839), mais conhecida pelo seu título nobiliárquico de Marquesa de Alorna. É ela que dá nome aos vinhos topo de gama do portofólio vínico da Quinta da Alorna e que hoje conhecemos à mesa na bonita sala de jantar da quinta. 

A inspiração de figuras como a Marquesa de Alorna, poetisa com o nome literário de Alcipe e mulher de grande presença política e visão social inovadora, dão ao vinho uma dimensão para além da sua natureza enogastronómica e permitem conhecer melhor quem dá nome aos brancos e tintos da Quinta da Alorna. Da tradição visionária da casa faz igualmente parte o olhar contemporâneo de outra mulher, a enóloga Martta Reis Simões, cujos vinhos trazem uma perspectiva nova sobre o território de que provêm, com a influência sempre presente do Tejo. 

Os vinhos Marquesa de Alorna são de lote e as castas utilizadas no blend não são reveladas mas a sua intensidade e elegância marcam o perfil de grandes vinhos do Tejo, estruturados e minerais, com vivacidade e muita vida pela frente. Se cada garrafa de Marquesa de Alorna traz consigo a homenagem a uma mulher do século XIX, encerra igualmente a promessa de futuro que permanentemente fez parte da vida de D. Leonor. 

À mesa com Marquesa de Alorna
À mesa com Marquesa de Alorna

27.4.23

Na esplanada d'O Frade no Mercado Time Out, há vinho de talha e um arroz cremoso de cogumelos de comer e rezar por mais

O Frade no Mercado Time Out

Chegam os primeiros dias de sol e Lisboa enche-se de vontade de aproveitar (mais) as suas esplanadas. O espaço virado para o Jardim D. Luís que ocupa a esplanada d'O Frade no Mercado Time Out convida a alma petisqueira para uma experiência de exploração dos sabores alentejanos e portugueses tendo por companhia um copo de vinho. A tradição dos vinhos de talha da família Frade, os primeiros produtores de vinho da talha DOC, é partilhada com uma ementa mais reduzida mas idêntica ao restaurante na Calçada da Ajuda, com especial ênfase nos pratos assinatura, nos petiscos e na bifana pensada em exclusivo para o mercado.

Desde 2022 com o chef Diogo Carvalho aos comandos da cozinha, O Frade retém a sua matriz alentejana mas abraça a cozinha portuguesa na sua magnitude, seguindo o caminho traçado pelos irmãos Sérgio e Pedro Frade. A paixão vitivinícola do pai Alexandre, produzindo vinhos de talha de "longa guarda" (tradicionalmente estes vinhos eram feitos e, uma vez abertas as talhas, consumidos de imediato), contribui fortemente para o ADN do restaurante. As práticas inovadoras de preservação do vinho de talha permitem abrir um Talha De Frades Branco DOC. 2017 em Abril de 2023 e a esplanada é também um bom pretexto para conhecer estes vinhos.

O Frade no Mercado Time Out
O Frade no Mercado Time Out