9.5.12
Baunilha, uma costeleta de borrego e uma refeição improvável
Baunilha. A palavra acciona de imediato vários botões num cérebro que prepara a boca e o nariz para algo doce. É um condicionamento do mundo Ocidental em que apenas os bolos ou os gelados fazem uso desta especiaria. Cada um de nós cresce com a certeza que o aroma da baunilha é garantia de algo doce e é assim que exercemos as nossas escolhas. Pelo contrário, no Oriente é comum a baunilha ser associada a pratos salgados que é afinal a utilização comum desse ingrediente em países como a Coreia ou a Tailândia. Associações adquiridas que são poderosas e determinam a nossa relação com a comida. E eis que chega o desafio. O prato principal no jantar de hoje é costeleta de borrego com puré de batata e baunilha. São palavras pronunciadas pelo chef Nuno Diniz numa harmonização com vinhos de Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca, no Peixe em Lisboa. Uma ou várias provocações em forma de frase. Estamos no Peixe em Lisboa e serve-se carne. E a carne (de borrego) vem com baunilha. Para mim, ainda, um desafio suplementar: eu não aprecio borrego. Vou sorrindo, enquanto me preparo para provar e gostar. É que acabei de comer uma (excelente) empadinha de lampreia com uma salada de raiz de aipo e salsa como entrada. E, já adivinharam, eu não gosto de lampreia. Eis que chega a sobremesa e é consensual. Chocolate(s) em forma de brownie. Muito boa. Talvez a menos provocadora da noite. Tanto, que fico à procura do desafio. Acabo por encontrá-lo no segundo copo de Moscatel Roxo.
Uma refeição é também uma relação de confiança. Uma entrega nas mãos do chef. Sem barreiras. Contornando aquilo que é tido como certo, em busca de uma experiência única. É acreditar, para além do que pode ser provado, que vai ser bom. É provar cada prato com a atitude de quem consente. Leio uma entrevista recente do chef Nuno Diniz e (re)encontro-o na experiência que descrevo. Diz o chef que a sua é uma cozinha intemporal e razoavelmente alheia a excitações passageiras, com primazia absoluta no gosto, numa tentativa de fixação de um género que poderemos apelidar de “tradição tolerante”. Nem mais.
Esta foi uma refeição improvável para mim e que me fez sair da minha zona de conforto, desafiando as minhas próprias percepções, gostos e certezas quanto à comida. Tornada possível pela colaboração dos alunos da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, que curiosamente já tinha acompanhado num Jantar Queirosiano na Escola. O projecto pessoal do chef Nuno Diniz está ligado às Escolas de Hotelaria e Turismo e é um exemplo extraordinário de como o legado às gerações futuras deve ser uma preocupação de todos e cada um. O chef tem dedicado este ano a visitar diversas escolas de hotelaria com intuito de partilhar conhecimento, participando em diversas aulas abertas e contribuindo com o seu saber e a sua experiência para a formação dos futuros profissionais.
A minha intenção era voltar a cozinhar estas costeletas. Acabei por fazer algo muito diferente. Mas disso falo amanhã. Deixo ainda um outro olhar desta nossa refeição pela mão da Laranjinha.