27.6.14
A salada asiática do chef Kiko Martins e os vinhos Grão Vasco
São dez da manhã quando entro n'O Talho. Da visão do chef Kiko Martins nasce um conceito peculiar que reúne um restaurante e, como o nome indica, um talho. Nesta área de entrada, a azáfama antes do almoço é feita de clientes que chegam para comprar os conhecidos hamburguéres, a alheira envolta em massa kadaif ou a vitela maronesa. Ali ao lado, o restaurante está ainda à média luz enquanto na cozinha se faz a preparação para os almoços e jantares. Gosto do ambiente sereno e ordenado que marca o começo de mais um dia n'O Talho. O espaço, pensado para ser multidisciplinar, recebe também aulas e workshops com o chef onde a comida e as viagens se encontram com os vinhos. Hoje são as receitas para todos os dias e a harmonização com os vinhos Grão Vasco que ocupam o balcão.
Como cozinhar e que carne escolher para as refeições familiares e que vinho combinar com o prato são perguntas frequentes. Frango, pato, vitela e alheira são os exemplos escolhidos pelo chef Kiko Martins para as suas sugestões de harmonização com o Grão Vasco branco e tinto, a comemorar 50 anos de história.
Reunidos à conversa, com um copo de Grão Vasco branco 2013 apresentado pela enóloga Beatriz Cabral de Almeida acompanhamos a confecção de um bife de frango com tomilho e limão e de um cuscuz de curgete e tomate-cereja com manjericão. Um prato feito num piscar de olhos, onde a cor e o sabor do acompanhamento equilibram o conjunto. O vinho que tenho no copo é herdeiro de uma identidade particular e tem o Dão inscrito na sua estrutura e na sua história. Na minha mente, Grão Vasco e Dão são quase sinónimos. É um imaginário feito de cheiros e imagens que me transporta de imediato para norte. O novo rótulo reforça esse sentimento, partilhado por tantos, mantendo na cápsula da garrafa a referência à obra de Vasco Fernandes, São Pedro. É um retorno às origens.
Enquanto ordeno ideias e rabisco notas, o chef Kiko Martins prepara aquele que para mim foi o prato do dia. Uma salada asiática de magret de pato com laranja que há-de fazer os encantos de muitos. A discussão centra-se na harmonização. Branco ou tinto? Com corpo e sabor para ombrear com o Grão Vasco tinto 2010, o pato traz consigo os sabores frescos do gengibre e da hortelã que parecem combinar na perfeição com os aromas cítricos e frutados do branco. Escolha feita e a certeza de um par notável.
Mas o tinto não perde por esperar. A alheira crocante com arroz cremoso de grelos e compota de tomate é candidato a acompanhá-lo com distinção. Este é um prato assinatura que faz parte da carta do restaurante e que também está disponível pronto para ir ao forno na secção do talho. Já o tinha provado numa das minhas visitas anteriores, entre risos e sorrisos a propósito do nome dado ao prato (que se chama o "Sr. Quer Alheira"). A harmonização com o vinho realça a sua versatilidade. Por ser um tinto leve, enquadra o prato sem se sobrepor e completa a refeição. É também essa a intenção ao servir este tinto 2010 com a picanha grelhada e o maravilhosos puré de batata noisette e presunto do Talho. As venturas da manteiga noisette ficam para outro dia mas a memória deste puré não desvanece. Um je-ne-sais-pas-quoi de encantos mil.
É tempo de passar para a mesa. A abrir os muito falados croquetes de cozido com maionese de chouriço. As carnes do cozido, hortelã e chouriço em forma de fingerfood. Incontornáveis em qualquer passagem pelo Talho, estes croquetes ganham ares de comida de prato pela adição de uma maionese de chouriço que vem em bisnaga. Um piscar de olho de olho à passagem de Kiko Martins pelas cozinhas de Heston Blumenthal. Na escolha do vinho, e por mais que a fritura peça o branco, é no tinto que os sabores fortes do cozido encontram um parceiro à altura.
Nesta experiência, o desafio era combinar os diferentes sabores da cozinha do chef Kiko Martins com a simplicidade elegante dos vinhos Grão Vasco. Com tudo para encaixar na perfeição, algumas escolhas mostraram-se surpreendentes. Como conclusão, se gostei muito do tinto, fiquei perdida de encantos pelo branco. Desconfio que me há-de acompanhar por este Verão, em aventuras de pratos leves e descomplicados.
Salada asiática de magret de pato com laranja
Adaptado livremente de uma receita de Kiko Martins
serve 2, como refeição
100 g noodles vermicelli de arroz
1 laranja, em segmentos e sem pele
coentros, em folhas, para servir
1 colher (sopa) amêndoa fatiada torrada
1 magret de pato, com a pele com cortes em cruz
para o molho:
3 folhas de hortelã, picada
2 colheres (chá) gengibre fresco ralado
2 colheres (chá) molho de peixe (nam pla)
sumo de 1/2 lima
30 ml água
1 colher (sopa) açúcar
Hidrate os noodles em água fria (ou de acordo com as instruções). Cozinhe o magret de pato, colocando-o com a pele para baixo numa frigideira quente (entre 7-9 minutos). Vá retirando a gordura que vai sendo libertada. Vire o magret e cozinhe mais 3 minutos. Retire da frigideira, tempere dos dois lados com sal e pimenta moída na altura e deixe descansar por 5-7 minutos.
Misture todos os ingredientes do molho. Rectifique o tempero para obter um bom equilíbrio. Escorra os noodles, coloque-os numa saladeira e regue com o molho. Junte a laranja e envolva. Fatie o pato na diagonal. Divida a salada por dois pratos, coloque metade das fatias de pato sobre os noodles e guarneça com as folhas de coentros.