22.7.14
À mesa na Herdade do Esporão
No Alentejo o tempo passa mais devagar. E esse é apenas um dos seus muitos encantos. É como se todos os afazeres do dia pudessem ser cumpridos sem a pressão do relógio e a vida fosse acontecendo em harmonia com a paisagem. A estrada que nos leva até à Herdade do Esporão tem, como seria de esperar, uma moldura de vinhas e flores campestres, encimada por um céu azul a perder de vista. São quilómetros de uma imensidão com uma serenidade muito própria, característica identitária de um lugar muito especial.
Chegada a hora do almoço, o espaço do restaurante é ainda mais convidativo com a sua vista aberta sobre as vinhas, a barragem e o montado. A curiosidade divide-se entre as ervas aromáticas à beira do terraço, com os tomilhos e a erva caril no seu auge, e a nova adega de lagares a tomar forma com as suas paredes de taipa, mesmo ali ao lado. E numa terra em que a mesa ocupa o lugar central, as conversas acontecem quase sempre em volta do prato e com um copo na mão.
Quando se entra no restaurante é a luz que passa pelas grandes janelas abertas sobre o terraço que mais chama a atenção. A mesa posta na sala mais pequena está decorada com flores do campo e os menus impressos remetem para os padrões das mantas alentejanas. No coração da tradição vínica do Esporão, o nosso almoço celebra os brancos num conjunto de harmonizações em que os vinhos encontram nos pratos do chef Miguel Vaz parceiros com quem dialogar. As conversas cruzadas com a enóloga Sandra Alves, responsável pelos brancos e rosés na equipa de enologia liderada por David Baverstock, são o veículo perfeito para compreender melhor os vinhos que chegam à mesa e a sua ligação com os pratos.
No Cappuccino de ervilha, cogumelos em pickle e espuma de presunto estão alguns dos sabores que melhor espelham o Alentejo. Servido com um dos pilares do Esporão, este prato encontra no Monte Velho branco 2013 o par perfeito para as boas-vindas. Apreciado ao longo dos anos por diferentes gerações, a história deste vinho confunde-se a espaços com a da Herdade do Esporão. A combinação deste branco jovem, frutado e fresco, com a riqueza do presunto no cappuccino funciona às mil maravilhas.
A carta Primavera/Verão do chef Miguel Vaz é resultado de uma ligação à terra e à sua gastronomia, numa abordagem bem contemporânea. Com uma horta biológica que fornece o restaurante todo o ano com os produtos da estação, não é de estranhar que os vegetais assumam um papel importante nas escolhas do chef. Quando a terra mais produz é um sem fim de possibilidades que se abrem e que fazem do Visita à Horta... um prato em constante mutação. A acompanhar um copo de Verdelho 2013, um monovarietal elegante e intenso que se faz os encantos da mesa e ombreia com a tempura de couve-flor e o nabo crú marinado, os rolinhos de couve e o pickle de cebola roxa na perfeição. Um vinho com personalidade para um prato fantástico, talvez a minha harmonização preferida.
Com as conversas em torno da meteorologia e o seu papel na vinha, lá avançamos para um prato que faz uso de mais um ingrediente icónico do Alentejo. São os lagostins a assumir destaque, com as águas da barragem ali tão próximas.
Lagostim, puré de couve-flor, toucinho de porco preto, azeite de limão e funcho selvagem é um prato inteligente e muito bonito que no entanto não me arrebata o coração. Culpo a minha paixão pelo prato anterior, ainda no palato, e o encanto do vinho 2 Castas 2013 que entretanto me chega ao copo. As castas eleitas em 2013 são Gouveio (70%) e Antão Vaz (30%), numa conjugação muito aromática e equilibrada. É a delicadeza deste vinho, muito diferente do anterior pelo seu carácter vegetal, que me ficam na memória.
Mais que prontos para o prato principal, eis-nos perante o famoso Bacalhau 66ºC, panadeira de batata e legumes do chef Miguel Vaz. A todos os níveis excepcional, este é de novo um prato repleto de referências à terra. A panadeira de batata é uma receita com raízes alentejanas mas cujo percurso está pouco inscrito na gastronomia local. Lembra-me os pratos de batata franceses (mas sem as natas e a manteiga). Gosto das texturas e da leveza deste prato. A harmonização com o Esporão Reserva Branco 2013, onde se encontram as castas Antão Vaz, Arinto, Roupeiro e Semillon, surge numa combinação clássica e bem conseguida.
A tempo de adoçar a boca, um Desafio chocolate, azeite e vinho numa espécie de encontro das diferentes vertentes produtivas do Esporão. Para o meu gosto um nadinha doce em demasia, em virtude do chocolate de leite. Questão que aparentemente não se coloca aos meus companheiros de conversa e que é compensada assim recebe um fio de azeite Galega Esporão.
Ainda com os sentidos a processar chega à mesa um imponente e lindo Mil folhas de morango e vinho Licoroso. Servido com o Late Harvest 2012 há uma concorrência entre ambos que funciona no prato mas não os favorece na harmonização. O que não impede o apreciar cada um por si, para finalizar um almoço memorável.
Uma das vantagens de ter campo a perder de vista é que a seguir ao almoço se pode andar tanto quanto se queira (e se consiga). Para digerir a experiência e conhecer melhor a Herdade. Uma visita mais que recomendada.
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Restaurante da Herdade do Esporão
Herdade do Esporão
7200-999 Reguengos de Monsaraz