20.8.15
O atum e o choco da chef Susana Felicidade e os vinhos JMF
Ao longo do ano tantas das nossas refeições passam pelo blog e por cá ficam, traduzidas em palavras e imagens quando os aromas e os sabores já se perderam na sua efémera existência. Vêm à boleia de uma receita ou de uma memória que queremos preservar ou chegam acompanhadas de um vinho, de uma cerveja ou de um café. E há muitas que não chegam a ser publicadas porque a vida se atravessa no caminho, o tempo não permite e a actualidade do tema se perde. De quando em vez há uma outra que mesmo tendo alguns meses, por terem sido especiais e não nos esquecermos delas, encontram o caminho para aqui. É o caso desta harmonização dos pratos da chef Susana Felicidade com os vinhos da José Maria da Fonseca, durante o Peixe em Lisboa.
Corria um dos últimos dias do Peixe em Lisboa quando chegámos ao Pátio da Galé para conhecer a cozinha da chef Susana Felicidade, prontos a embarcar numa viagem de três pratos em discurso directo com os vinhos do Engº Domingos Soares Franco. Com a chef e o enólogo ali ao pé, para as harmonizações leva-se a vontade de querer saber mais e ouvir na primeira pessoa as histórias de quem dá corpo e vida ao que nos chega ao prato e ao copo.
Para começar, atum em salmoura com puré de batata-doce de Aljezur, espargos e maionese de alho. As raízes algarvias da chef Susana Felicidade bem patentes na escolha dos ingredientes e na confecção deste prato, onde um frasquinho de manteiga doce convidava a uma nova combinação, numa homenagem à carta e ao imaginário do restaurante Pharmacia. O meu prato favorito da noite não precisou da ajuda da manteiga para ter um pouco de tudo, doce e salgado, cremoso e crocante, numa combinação feliz. No copo, de uma casta preferida, um excelente Verdelho Colecção Privada 2014 foi a companhia perfeita.
Entre conversas em torno dos encantos do nosso carolino e de como o devemos estimar, quer em casa, quer no restaurante, lá se foi cozinhando o arroz com tinta e choco salteado em azeite e cebola roxa. De novo os aromas e sabores do Algarve a servirem de pretexto para um prato em que todos os componentes, até a generosa mão-cheia de coentros que o finaliza cumprem um papel relevante. Do Algarve para o Alentejo e uma técnica ancestral que dá corpo e nome ao tinto Ripanço 2013 da inspiradora adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz. Sendo um alentejano, as características da região onde a fruta madura marca presença encontram um vinho que conta uma história diferente, aromático e fresco, muito gastronómico (e com o rótulo mais original). Do casamento entre o prato e o copo resulta uma discussão sobre a temperatura a que o vinho deve ser servido, aqui mais próximo dos 16ºC para permitir uma harmonização mais equilibrada.
Com a sobremesa a ser preparada e explicados os seus múltiplos componentes é tempo de uma singela homenagem ao Moscatel de Setúbal. Vinho generoso de credenciais firmadas, é sempre com prazer que vê a sua inclusão em pratos como a delicada pannacotta de cardamomo e chocolate branco com creme de ananás dos Açores e crumble de amêndoa. A calda de laranja e moscatel replica as cores e os aromas do copo onde um delicioso Moscatel de Setúbal 2004 que com as suas notas de armagnac oferece o final certo para uma refeição memorável.
Com a promessa de voltar no próximo ano, o Peixe em Lisboa volta ao Pátio da Galé em Abril de 2016. Até lá, só nos resta matar saudades com a prometida visita à Adega José de Sousa e uma ida urgente ao Pharmacia.