1.3.16
{Boi Cavalo} A primeira etapa da road trip do Bacalhau da Islândia
Coloque-se um ingrediente tradicional como o bacalhau nas mãos de chefs irreverentes e criativos e um mundo novo de sabores formar-se-à em pleno prato. Esta ideia em forma de desafio marca a road trip do Bacalhau da Islândia, que ao longo do ano há-de passar por vários restaurantes em Portugal em busca de olhares inovadores sobre o fiel amigo.
A primeira etapa decorre no Boi Cavalo com as propostas do chef Hugo Brito a privilegiar um corte nobre, o lombo, e uma parte pouco considerada, os sames (ou tripa) de bacalhau, numa reinvenção da cozinha da cidade de Lisboa, em que os ingredientes de sempre surgem com outras roupagens e em novas companhias. É o caso do prato cuja descrição no menu nos deixa a adivinhar uma aventura. Lombo de bacalhau, rabo de boi, little gem. Com a fotografia (em cima) a não fazer justiça à desafiante combinação de peixe e carne, foi na conversa acessa que gerou, na discussão e partilha de opiniões diferentes, nas memórias revisitadas. Para mim, é um prato pleno de intenção nos sabores que propõe e funciona sobretudo graças ao molho que liga todos os componentes. Mas o chef já me tinha conquistado logo no início com as surpresas fora do menu.
O pato, pomelo, salva estaladiça e amêndoas que chega à mesa ainda o menu não começou deixa-me cheia de vontade de mais desafios. Citrinos e pato cozinhado a baixa temperatura não é uma combinação estranha mas a salva e as amêndoas trazem consigo emoções diversas sob a forma de uma complexidade inesperada. Ainda antes descubro na pele de bacalhau com maionese de nabo e tōgarashi, entre o divertimento e a perplexidade, aromas e texturas de jaquinzinhos fritos. São de novo os sabores portugueses que dão início ao menu com uma entrada de couve-flor, leite de aveia, farinheira, simples e reconfortante. Olho de novo para a cozinha que se abre sobre a sala para seguir as dinâmicas ordenadas da equipa.
No Boi Cavalo, os pratos tomam literalmente forma à vista da pequena sala forrada a mármore e onde ainda prevalecem marcas do antigo talho de Alfama que lhe precedeu. Descobrir o Bacalhau da Islândia na cozinha de Hugo Brito é encontrar também partes do peixe que hoje raramente são servidas mas que fazem parte do espólio gastronómico da história do bacalhau em Portugal. A tripa de bacalhau, beringelas, molho de choco, aneto é uma utilização muito interessante dos sames de bacalhau (que mais não são que a bexiga natatória do peixe) e que remetem para o choco frito ou para as pataniscas de bacalhau. É um prato tão inteligente e delicioso que quase me apetece deixar de lado o limpa palato, 2 shots de whisky e extracto de pepino, fogo e água para preparar uma nova fase da refeição que se inicia com o prato de bacalhau e rabo de boi já referido.
Por altura do quarto momento, pintada, batata, canja já só me interessa o próximo elemento surpreendente. E chega sob a forma de batata crua onde assentam pequenas almôndegas fritas de pintada com uma "salada" de coentros e salsa de referências asiáticas. A "canja" é vertida na mesa e termina um prato bonito de que não me esqueço facilmente. De sorriso aberto é tempo de manteiga de amendoim, arror doce, nori para a sobremesa. Sedoso e untuoso, tivesse a bolacha mais crocante e teria sido arrasador. Nada que alterasse uma experiência muito especial. O Boi Cavalo é daqueles restaurantes onde se vai para para divertir o palato e desafiar as convenções. É sofisticado sem ser pretensioso e cada prato conta uma história. E não há nada melhor que isso.
Hoje e amanhã (quarta-feira, dia 2 de Março) o Bacalhau da Islândia é ingrediente principal no Boi Cavalo, antes da road trip seguir caminho para novas abordagens em torno do fiel amigo, sempre com irreverência e arrojo.
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Boi Cavalo
Rua do Vigário, 70 B
1100-516 Lisboa