4.12.17
{ Congresso de Gastronomia Estrella Damm } De onde surgem as tendências?
A alimentação tem mudado muito ao longo dos tempos, por obra da tecnologia, dos sistemas produtivos e da percepção e do gosto em particular. Pela sua visibilidade os chefs são muitas vezes responsáveis por gerar tendências, veicular ideias e potenciar estilos de vida. No que à gastronomia diz respeito, os encontros, conversas e reflexões sobre estas matérias e a evolução do trabalho e processos criativos dos diferentes agentes são importantes. A Estrella Damm tem feito sua esta contenda procurando reunir chefs para a partilha de experiências com um público interessado em que cabem muitas pessoas ligadas à restauração mas também investigadores, jornalistas e gastrónomos.
O tema da segunda edição em Lisboa do Estrella Damm Gastronomy Congress foi o conceito 'gerador de tendências' e contou com a participação dos chefs Joan Roca, Fina Puigdevall, Fran López, Vítor Matos, Alexandre Silva e Henrique Sá Pessoa e do crítico e investigador Toni Massanés. Mas o que são e de onde nascem as tendências?
Com o foco na ideia de tendência, Toni Massanés começou por falar do seu trabalho na Fundação Alícia, um projeto que faz da investigação científica na área da gastronomia um caminho para a inovação. Definir aquilo que constitui uma tendência é também discutir o que será a alimentação no futuro. O que é que mudará? Dos ingredientes, produtos ou técnicas que marcam diferentes tempos, há na nutrição e na sustentabilidade (mas também na comunicação e divulgação) um conjunto de mudanças que se sucedem a uma velocidade vertiginosa. Para Massanés, a inovação gastronómica iniciada a partir da alta cozinha utiliza diferentes formas para se concretizar: o prazer como construção de significado, a criatividade como instrumento, a relação com outras disciplinas (como a arte, literatura, etc.), a transmissão de sensações, o suscitar de emoções pela dimensão visual e a relevância do discurso artístico. Muito diferente das restantes intervenções, a palestra de Toni Masssanés ofereceu uma sistematização para muitas das referências e ideias que os 6 chefs trouxeram ao congresso.
Embora centrada nos pratos que fazem do El Celler de Can Roca um dos melhores restaurantes do mundo, a apresentação de Joan Roca trouxe também uma boa dose de reflexão sob a forma de diagramas, vídeos e contextualização. A Integração Total como a Vanguarda foi o título escolhido para mostrar o trabalho desenvolvido nas múltiplas dimensões do território Roca. Talvez as três palavras que surgem num dos slides possam sintetizar o fio condutor do discurso do mais velho dos irmão: fazer da curiosidade um estilo de vida, arriscar sem medo e procurar sempre o conhecimento.
As duas primeiras apresentações da manhã (a que infelizmente não assisti na totalidade) trouxeram ao palco os chefs Alexandre Silva, do Loco, e Fina Puigdevall do restaurante Lei Cols, respectivamente com os temas a criatividade como motor e a paisagem como catalisador do processo criativo. Seguiu-se a intervenção de Henrique Sá Pessoa, do Alma, com um discurso próprio em torno dos pratos que o aproximam da cozinha tradicional portuguesa, nomeadamente a sua versão de Bacalhau à Brás, a que chamou “Calçada de Bacalhau”.
Do Porto veio Vítor Matos, chef do Antiqvvm, mostrando a sua cozinha assente em 4 pilares: as influências, os sentidos, a inovação e os produtos. Com uma cozinha de grande complexidade e pratos sempre repletos de pormenores, Vítor Matos escolheu discutir esta característica do seu trabalho. A partir dos pratos apresentados e do seu percurso como profissional e como indivíduo, foi possível compreender o pensamento do chef e as suas escolhas criativas. Também da Catalunha chegou Fran López, do restaurante Villa Retiro, integrado na unidade hoteleira com o mesmo nome. Falando sobre a sua filosofia centrada no produto, o chef abordou a cozinha "de mercado" que vai buscar inspiração à cozinha tradicional, sempre com um olhar contemporâneo.
Para a história deste Estrella Damm Gastronomy Congress fica a contribuição de uma conversa aberta sobre o entendimento muito diverso que os intervenientes têm sobre o tema das tendências. A dupla natureza do título da edição deste ano remete, por um lado, para visões sistematizadas de fora para dentro como a de Toni Massanés e, por outro, as perspectivas próprias dos chefs convidados. Como a reflexão entre profissionais é essencial para a qualidade do trabalho desenvolvido, há que ressalvar a grande relevância destes eventos e do compromisso da Estrella Damm com a a alta cozinha.