28.10.11
Sopa de cebola gratinada ou uma ode às lágrimas
Eu não sou mulher de muitas lágrimas. A vida trata-me bem. Nem tristezas, nem medos, nem anseios. Poucas ou nenhumas razões para chorar. Acredito que de tão pouco serem chamados a cumprir essa função, os meus olhos se esqueceram de como fazê-lo. Uma ironia poética. Uns olhos que não sabem chorar. Chega a ser comovente. Há melhor desculpa para ser feliz do que não ter lágrimas para chorar?
E eis que surge uma cebola para descascar e cortar. Ou dez. Um choro sem fim. Nem óculos, nem mezinhas, nem nada. É um dique que se abre dentro de mim para deixar passar um rio em louca cavalgada. Bochechas molhadas, olhos inchados, nariz a fungar. Quantas lágrimas perdidas! Um desperdício. Resolvo aproveitar. Choro a falta dos seres queridos que deixaram os meus dias e que usualmente relembro com gargalhadas e memórias felizes e as pequenas tristezas sem conserto de uma vida já vivida. Uma catarse que há-de dar em sopa.
O meu livro Les118 recettes françaises refere a sopa de cebola com origem em Lyon mas tendo ganho popularidade durante o século XIX graças aos trabalhadores do mercado parisiense des Halles. Apontamentos históricos à parte, é uma receita de preparação simples e barata que precisa de tempo para ser confeccionada. Depois de todo o processo de descascar e cortar finamente as cebolas, a sopa faz-se praticamente sozinha pelo que é uma boa opção para quando se tem uma tarde em casa com coisas para fazer.
É uma sopa substancial para dias mais frios e uma refeição em si mesma. As cebolas são cozinhadas lentamente para que os açúcares se desenvolvam e caramelizem ligeiramente. Um caldo de carne, frango ou de legumes caseiro é essencial. O resultado "em camadas" de sabor depende disso. A minha versão é feita com caldo de frango e uma mistura de cebolas novas, amarelas e roxas tão somente porque cada uma traz pequenas diferenças de aroma que reforçam a densidade da sopa. A combinação de caldo de frango (ou legumes) com um vinho branco seco pode ser substituida por caldo de carne e vinho tinto para uma sopa (ainda) mais forte em sabor. Na finalização pode escolher-se entre levar a sopa a gratinar com o pão e o queijo por cima ou fazê-lo apenas com o pão torrado e o queijo derretido colocado em cada tigela no momento de servir.
Sopa de cebola gratinada
Serve 6, como refeição
6 cebolas médias, cortadas em fatias finas
2 colheres (sopa) azeite
1 colher (sopa) manteiga
1 dente de alho
1 folha de louro
1 colher (chá) tomilho sal-puro Ervas da Zoé
100 ml vinho branco seco
1 colher (sopa) farinha
2 l caldo de frango caseiro
fatias de baguette, cortadas na diagonal
80 g queijo Gruyère, em lamelas finas
folhinhas de tomilho para guarnecer
Coloque o azeite, a manteiga, o alho e as cebolas numa panela ou tacho de fundo grosso. Junte a folha de louro, polvilhe com o tomilho e tempere com sal e pimenta preta moída na altura. Baixe o lume para o mínimo e deixe cozinhar por 20-25 minutos, mexendo ocasionalmente. Quando as cebolas estiverem douradas (atenção não devem queimar) adicione a farinha e mexa. Levante o lume e regue com o vinho branco. O alcool deve evaporar antes de acrescentar o caldo. Deixe fervilhar por mais 20-25 minutos até reduzir ligeiramente e engrossar. Rectifique o tempero, se necessário.
Pré-aqueça o grill do forno a 220ºC. Torre as fatias de pão. Coloque-as num tabuleiro de forno e disponha lamelas de queijo e umas folhinhas de tomilho em cada uma. Leve a forno por 3 minutos ou até o queijo derreter. Sirva a sopa com 2-3 fatias de pão e queijo gratinado.