23.4.12
{10 razões para relembrar o Peixe em Lisboa 2012} Vinho, peixe e emoções
A edição deste ano do Peixe em Lisboa terminou. Se há um balanço a fazer, para mim, traduz-se nas memórias do que fica, daquilo que se guarda por ter deixado marca e dos planos que se vão fazendo para reviver essas emoções. Restaurantes a (re)visitar, percursos a seguir, cozinhas a experimentar, lugares a conhecer.
Sem outro critério que o mero preenchimento das vontades, deixo aqui o que não esqueço. 3 experiências inolvidáveis + 3 apresentações de chefs + 3 pratos + 1 extra = 10 razões. Fica o registo das pessoas, dos sabores e das experiências que trago deste Peixe em Lisboa. Para mim, o melhor de sempre. Já tenho saudades.
1. Ángel Léon [@ chef del mar]. A todos os níveis surpreendente. Fui para a apresentação conhecendo muito pouco do seu trabalho. Saí com vontade de seguir na direcção de Cádiz, em busca do Aponiente. Fiquei rendida à inteligência da cozinha de Ángel Léon, à consistência de um discurso em que os conceitos, os produtos e as técnicas formam um só pensamento. E à pessoa, ao comunicador. Excelente.
Dar a comer o mar. Do fundo até à superfície. Ao chefe não interessam os produtos valiosos que o mar oferece. Nem lagostas, nem lavagantes. Começa-se pela base de toda a alimentação no mar. O plâncton. Seguem-se os peixes sem nome, sem valor na lota, sem interesse para os demais. Um prato que colocado sobre a mesa evoca as ondas do mar pelo movimento que acontece na mesa através de um mecanismo accionado no momento. Jogar com as emoções. Servir peixe com aparência e sabor de carne. Um carré de peixe como se fosse cordeiro, desafiando o cérebro de quem come. Obrigando a pensar. Não sem um lado lúdico. Resta-me também seguir soñando que um dia vivo na primeira pessoa estas sensações. (mais sobre a apresentação no Conversas à mesa com Fátima Moura)
2. Periquita Superyor 2008 [José Maria da Fonseca]. Disse (e repito) que nada percebo de vinhos. Nem taninos, nem aromas. Nada. Porque gosto deste vinho? Não consigo descrevê-lo ou saber dizer porque gosto. Provei-o a acompanhar um prato de Paratha de cavala com molho hoisin, kimchi e rúcula (de que falo já a seguir) e não me esqueço tão depressa. Se me cruzar de novo com uma destas garrafas prometo trazê-la para casa.
E não, não quero saber o preço. (mais sobre este vinho: a opinião informada de Pedro Garcias)
3. Paulo Morais [Umai]. Uma harmonização com vinhos com propostas de Domingos Soares Franco que a cozinha de fusão com influências asiáticas do chef levou a um patamar superior. No menu, Sushi to sashimi – selecão de sushi e sashimi, Vieiras coradas com espuma de caril indiano e frutas secas, Paratha de cavala com molho hoisin, kimchi e rúcula (nas fotografias) e um cubo de chocolate com morangos. A chamada "cozinha de fusão" ou é muito bem feita ou pode ser um desastre. Este jantar foi um caso exemplar de como as diferentes influências se podem encontrar na cozinha excepcional de Paulo Morais e Anna Lins. Ou de como os vinhos podem potenciar uma refeição, tornando-a singular.
A repetir, quanto antes, no Umai.
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4. Diogo Noronha e Nuno Bergonse [Pedro e o Lobo]. Uma cozinha cheia de subtilezas, de sabores e combinações intencionais, construída em torno de uma visão comum de dois chefs. A apresentação de Diogo Noronha e Nuno Bergonse mostra em pleno a complexidade do trabalho que desenvolvem no seu restaurante em Lisboa: um compromisso de muitas técnicas, produtos tradicionais frescos em conjunto com outros mais trabalhados e uma ideia particular do que se quer dizer com o prato. É uma abordagem que comporta risco, que os chefs integram e aceitam como parte de um caminho (apenas) começado a percorrer.
Muito interessante.
5. Hans Neuner [Ocean, Vila Vita Parc]. Quem vive e trabalha em frente do oceano só pode olhar o peixe de modo particular. A cozinha de Hans Neuner, o chef austríaco do Ocean (no Algarve) e premiado com 2 estrelas Michelin, é marcada por enorme elegância e rigor. Uma apresentação em inglês com palavras portuguesas a completarem os nomes dos peixes que iam faltando, com o sous chef de Hans Neuner a contribuir para a dinâmica da conversa. Particularmente feliz, a "ajuda" de André Magalhães, como apresentador, que foi trazendo perguntas e considerações que fizeram desta uma apresentação em que se falou de fornecedores. mercados e das (melhores) facas do mundo. De ressalvar nos pratos apresentados, um "carré" de linguado, berbigão e baby lulas (sic) com algas.
Uma cozinha muito depurada. (mais sobre a apresentação: Gastrossexual)
6. Leonel Pereira [Panorama]. Das emoções do chef às vontades de quem come. Há uma intenção clara na forma como Leonel Pereira pensa a sua cozinha. Criar uma experiência, que começa por ser sua e que é oferecida ao cliente que a partir das suas próprias referências vive o prato da maneira que quiser. Uma apresentação que traz o serviço de sala e os próprios clientes. A ideia é interessante, pena que o auditório não proporcione um espaço à medida da criação de múltiplos cenários: a cozinha com a execução dos pratos e a sala com a acção de comer. O último prato a oferecer o fundo do mar à mesa, com os camarões ainda vivos a saltar de uma concha onde descansam búzios e plâncton.
Emocionante.
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7. Falso risotto com veja e rúcula [GSpot]. Não provei todos os pratos (nem lá perto) mas este talvez tenha sido de tudo o que comi, o que mais me surpreendeu. Gengibre, lima e tinta de choco num falso risotto feito com pasta. Para completar, veja dos Açores e rúcula. O restaurante GSpot é uma parceria dos chefs João Sá e André Simões com Manuel Moreira.
8. Aveludado de aipo com vieira e algas [Bocca]. Pela mão do chef Alexandre Silva, a combinação que me acalmou o espírito depois de uma demanda de mesa que durou uma eternidade. Fiquei tão curiosa com a sua cozinha que já prometi visitar o Bocca brevemente. É que somos (quase) vizinhos.
9. Manjar dos deuses [Alcôa]. Eu não sou de me perder por doces, menos ainda conventuais. Reconheço, contudo, que este bolo (do qual roubei uma dentada) tem tudo para honrar o nome que lhe deram. Para consumir com moderação.
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10. Menu em ardósia [100 maneiras]. O extra que fazia toda a diferença entre os escritos sem qualquer atenção, os assim-assim e os que baniram a ardósia. Muito bem pensado e muito bem executado.
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Para balanços mais fiáveis, mais informados e mais objectivos, fica a informação prestada pela organização sobre o sucesso do evento e o melhor e o pior do Miguel Pires, no Mesa Marcada.