21.10.14
Até São Bento pela linha do Douro: as crónicas de um vinho especial
Chegar ao Porto de comboio é como entrar num postal ilustrado. Pudesse a meteorologia ter sido mais clemente e a beleza da paisagem teria sido quase insuportável. Da chuva guardo poucas memórias. São os azulejos e a luz a entrar pelas vidraças da estação de São Bento que me acompanham como um raio de sol. É ali o lugar marcado para conhecer o Quinta do Monte Xisto 2012, um vinho que junta a família de João Nicolau de Almeida, num elogio à enologia e ao amor pelos vinhos e pela terra.
Apresentar um vinho numa das mais bonitas estações de comboios do mundo podia ser apenas um capricho. Não fosse ali o começo da linha do Douro, cuja história se confunde com a da região vinícola demarcada e é parte da cultura do vinho. Tanto simbólica como física, a ligação entre São Bento e o Pocinho marca a paisagem num paralelo quase perfeito entre a linha e o próprio rio. Os vinhos do Douro são herdeiros dessa história que deve ser lembrada e celebrada a cada novo vinho.
Pelo Douro a fora definem-se as características de um terroir único. A Quinta do Monte Xisto é um projecto onde olhares diferentes sobre a enologia reúnem duas gerações, João Nicolau de Almeida e os seus filhos João e Mateus. Este é um vinho que resulta de um modo de produção biológico, com princípios da agricultura biodinâmica. É o respeito pela natureza e o conhecimento da terra que volta a transparecer. Tomilho, rosmaninho, zimbro. São as plantas silvestres, as particularidades do solo e a pedra a marcar o lugar onde as vinhas crescem: Touriga Nacional, Touriga Francesa e Sousão para um vinho muito especial, fruto de consensos familiares e em que cada membro tem uma palavra a dizer.
No copo, o registo de um caminho trilhado nas encostas do Douro Superior e traduzido em aromas florais e silvestres que remetem novamente para o terreno. Revejo cada imagem da vinha, cada aroma da flora da quinta. E a cada nova prova, este é um vinho que se reinventa e que traz sempre algo de novo.
Como se tivesse lido os meus pensamentos, oiço as palavras de João Nicolau de Almeida: "Mais do que uma experiência cultural, a prova de um vinho é essencialmente pessoal e nasce muito da nossa predisposição para viajarmos ao sabor dele”. Porque cada vinho é mais do que o resultado científico das escolhas feitas, são as emoções em torno da partilha que fazem todas a diferença. Vou à conversa, pelos corredores da estação de São Bento, com Mafalda Nicolau de Almeida, falando sobre os desafios colocados à linha do Douro, as maravilhas do rio e como a região têm mudado a sua paisagem. A sua escolha da estação de São Bento para a apresentação da colheita de 2012 não podia ter mais significado.
Entre muitas conversas, a hora do almoço chega. Com mais chuva e alguns trovões, é tempo de ir até ao DOP e receber o Quinta do Monte Xisto 2012 à mesa. É a continuação de uma viagem inesquecível, agora deixando os comboios para trás.
Porque nem todos os vinhos são criados iguais, cada um encontra o seu lugar na relação com o prato e oferece novas perspectivas a quem o bebe. A proposta de harmonização com o cachaço de porco bísaro cozinhado lentamente no forno e servido com espargos e puré de bola de aipo mostra um novo perfil do Quinta do Monte Xisto 2012. Intensifica-se o seu final e reforça-se o diálogo, que se quer proveitoso, com a comida. A acidez desempenha um papel crucial nesta combinação e no encontro entre o copo e o prato nenhum fica a perder. Contudo, a surpresa maior está guardada para a sobremesa. Pode um vinho especial ser ainda mais único? Pode. Sobretudo se a ele se aliar uma harmonia de chocolates, chamada Triologia. Não me esqueço tão depressa dessa combinação de sabores, da família Nicolau de Almeida e do seu empolgante amor pelo vinho, num dia chuvoso com o Douro por companhia.
De volta a casa e embalada pelo andamento do comboio, prometo voltar ao Porto mais vezes. Afinal é já ali.