Chega-se atravessando as terras que fazem da Quinta da Alorna uma propriedade agrícola com alma e história incomparáveis. Por aqui produzem vegetais, frutos secos, cortiça e, claro, uvas. Muitas uvas em 220 hectares de vinha. A entrada que mostra a casa ao fundo cumprimenta quem vem em busca de experiências com um misto de realidade e magia em doses iguais. Por um lado, o cenário idílico dos jardins que conduzem ao pórtico e, por outro, a presença serena da adega onde se sonham os vinhos.
São mais de três séculos de história inscritos na paisagem e servidos nos copo e nas palavras. É com a enóloga Martta Reis Simões a conduzir a prova que entramos na viagem que nos levará a conhecer as novas colheitas e algumas das experiências do espaço Wine Creations onde a inovação tem lugar privilegiado.
Das castas que são parte identitária do terroir que caracteriza os vinhos do Tejo, talvez as mais honoráveis sejam Fernão Pires e Castelão. Se a primeira é conhecida pela sua flexibilidade, prestando-se a integrar espumantes e vinhos doces a partir de uma colheita tardia, já a segunda vai ganhado faces particulares em função da proveniência sempre sem perder um certo carácter muito particular.
Para a prova começamos com Fernão Pires, a grande uva do Tejo. É esta casta muito identitária da região que há-de alimentar o novo Reserva das Pedras, em busca de elegância, frescura e fruta presente. Das vinhas velhas da Charneca nascem vinhos gastronómicos provenientes de um solo de areia e pedras. Mas o caminho da casta Fernão Pires na Quinta da Alorna é ainda mais rico e diversificado. Como os vinhos em prova nos mostram.
Ainda à espera de ser engarrafado, o monocasta Quinta da Alorna Fernão Pires 2021 apresenta-se como um vinho de aromas cítricos e acidez presente que enche a boca e promete um despertar dos sentidos. O Reserva das Pedras Branco 2018 é um vinho muito diferente, marcado especialmente pela passagem por barrica de parte das suas uvas, e senhor de uma acidez vibrante que lhe confere grande potencial de guarda. Martta Reis Simões aponta a presença de madeira como uma característica distintiva e que faz deste Reserva das Pedras 2018 um vinho especial.
O vinho que se segue para celebrar mais um 100% Fernão Pires é o Quinta da Alorna colheita tardia Fernão Pires 2017. Da tradição dos vinhos de sobremesa, este colheita tardia mostra uma nova faceta da casta (com as uvas a serem colhidas em Outubro) e, em bom rigor, é mais que uma companhia para doces ou o final da refeição!
E eis-nos chegados aos licorosos Fernão Pires. O primeiro (2020) é produzido pelo mesmo processo do vinho abafado, mosto com aguardente, e apresenta-se muito floral e perfumado, com notas de maçã. São chamados vinhos abafados aqueles cuja fermentação se vê interrompida pela adição de aguardente ou álcool vínico, o que resulta num vinho doce com teor alcoólico elevado. A sua cor amarela contrasta com a cor âmbar do segundo licoroso, distinto também na acidez mais vincada e muito aromático.
A prova sequencial de vinhos produzidos a partir da casta Fernão Pires permitem aferir a sua versatilidade, ao mesmo tempo que se reconhecem os marcadores específicos da casta e do terroir da Quinta da Alorna. Uma experiência muito pedagógica e elucidativa do potencial da casta rainha da região do Tejo.
Já no plano das castas tintas, é incontornável o Castelão na Quinta da Alorna. Para explorar o potencial da casta que permite criar vinhos de perfil diferente, é necessário compreender como a atenção dadas às uvas e à vinha se traduz em resultados muito distintivos.
Viajamos até 1978 à boleia de um dos vinhos da biblioteca de vinhos da Quinta da Alorna. Trata-se de um vinho velho, muito vivo no nariz e com acidez ainda presente, com uma combinação de Castelão e Trincadeira, que se identifica com o terroir local. Por contraponto, o monocasta Quinta da Alorna Castelão 2019 oferece um perfil de outra natureza e traz consigo os característicos aromas a chocolate e mentol. É, como refere Martta Reis Simões, "o castelão da Charneca" com os seus taninos redondos e macios. Ainda no mesmo território, o Reserva das Pedras Tinto 2017 reforça a combinação aromática anterior mas este é um vinho intenso, com acidez e notas mais florais. O estágio em barricas por 12 meses de 50% e em garrafa por mais um ano molda o resultado e contribui para um vinho cheio de carácter.
Das experiências ainda em desenvolvimento ou à espera de tempo certo para chegar ao mercado, à prova, um Tinta Miúda 2020 e um Alicante Bouschet 2021. Para finalizar, o licoroso Tinta Miúda 2013, um abafado com 18,5º com um nariz muito fresco e boca plena. A atestar a vontade permanente e irrequieta da equipa de enologia da Quinta da Alorna.
Num dia perfeito de sol e partilha, a promessa inscrita no caminho é que há (e haverá) tanto por descobrir e que o mais certo é uma visita pedir outra e (talvez) outra ainda. E um brinde a mais dias felizes!
Um agradecimento pela boa conversa e companhia ao Pedro Lufinha, à Martta Reis Simões e ao Luís Lérias!
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Quinta da Alorna
2080–187 Almeirim
Portugal